quinta-feira, 27 de setembro de 2012

A crônica sob a pena de Neno Vasco: entre a arte e a militância





Vasco, Neno.Da Porta da Europa. Lisboa: Biblioteca Libertas, 1913.

Publicado em 1913 pela editora lisboeta  Libertas, o livro ora resenhado, traz à tona as crônicas de Neno Vasco escritas nos anos de 1911 e 1912. Trata-se de uma seleção que se concentrou nos principais órgãos da imprensa anarquista e operária do Brasil e de Portugal, pelos quais circulou boa parte da produção literária do autor neste período. O roteiro inicial do livro começa com o jornal A Lanterna[1] (1911-1916), de São Paulo. Do Rio de Janeiro e de Porto Alegre, temos as crônicas publicadas respectivamente nos jornais A Guerra Social (1911-1912) e O Diário (1909-1912). As crônicas publicadas nas revistas A Aurora (1910-1920), do Porto, e A Sementeira (1908-1913) de Lisboa fecham esse roteiro[2].
Em linhas gerais, a trajetória histórica percorrida pela crônica evidencia várias significações, abarcando e recobrindo territórios os mais diversos: inicialmente a historiografia, posteriormente, a literatura, e por fim o jornalismo. Já que Neno Vasco parece escrever em sintonia com o seu tempo, o que irá nos interessar é a crônica segundo versão moderna. Na sua versão moderna, mais especificamente ao longo do século XIX, o conceito de crônica passa por significativas e substanciais mudanças, que irão incidir tanto na sua forma quanto no seu conteúdo. Em virtude da assimilação dos ideais modernos, os cronistas irão reestruturar seus textos, buscando novas formas que fossem capazes de captar o conteúdo das novas relações sociais, marcadas cada vez mais pela complexidade e fragmentação [3].
O romantismo se torna, portanto, a pedra de toque identitária da escrita cronística, já que os escritores filiados a este movimento serão os responsáveis pelos novos lineamentos do perfil a partir do qual a crônica passará a ser produzida. Com a valorização desses novos códigos literários, os cronistas passam a dar maior atenção à imaginação, à questão da enunciação, à construção verbal, entre outros fatores que irão ligar e atar definitivamente os cronistas à literatura, transformando, desse modo, o gênero crônica em um gênero literário.
Além das mudanças que se deram a nível estético, também se processarão mudanças na forma como a crônica passará a ser publicada. Com a transformação dos jornais em instrumentos de informação e debate, com uma grande tiragem, ela se transforma numa sessão de jornal, cujo único critério para a publicação a ser levado em consideração é a periodicidade. Essa sessão se chama rodapé (como o próprio nome sugere: ao pé da página), no qual a crônica passa a ser publicada ao lado de outros textos: contos, romances e críticas literárias[4]
A crônica passa então a ser confundida, ou melhor, tomada como sinônimo do folhetim. O folhetim nasceu na França e se alastrou para outras partes do globo, numa clara e aberta tentativa de apropriação desta modalidade de arte que surgiu no continente europeu. Destarte, o folhetim trazia consigo a possibilidade de narrar os fatos diários, pressupondo um leitor inserido numa sociedade em vias de industrialização. Nesse momento, ou seja, século XIX, o folhetim se politiza e passa a assumir uma postura crítica e contestadora, utilizada pela burguesia na luta contra a aristocracia, que irá encontrar no jornal o espaço ideal para esse empreendimento.
Nos jornais com os quais Neno Vasco colaborou enquanto cronista também havia uma sessão específica voltada para a redação e publicação de textos determinados como literários, apontando, desse modo, a existência de uma filiação com o folhetim francês, tal como foi sublinhado por Claudia Baeta Leal.

É certo que essa determinação tem muito a ver com a origem do folhetim e sua relação com o rodapé das páginas dos jornais, constantemente reafirmado, desde o começo do século XIX, na França, como um espaço vazio destinado ao entretenimento. Na imprensa anarquista e operária este aspecto persistiu e o rodapé, sempre que marcado, recuperou a tradição do folhetim francês[5].

Nesse sentido, é interessante analisar como se dá a inscrição desse espaço na imprensa anarquista e operária, no sentido de trazer à tona os aspectos que a diferenciam e identificam em relação à imprensa burguesa, com que ela evidentemente dialoga, para depois poder se demarcar. Embora sua crônica sempre aparecesse numa sessão específica nos periódicos em que foi publicada, essa sessão, entretanto, nunca ocupou o espaço do rodapé do jornal, espaço que era via de regra destinado à publicação de outros gêneros literários, tais como o romance e o conto, através de folhetins seriados. Diferentemente, ela era publicada em uma coluna vertical situada no centro da primeira ou segunda página, ocupando quase a metade do seu tamanho. É sugestivo, porém não conclusivo, que essa preferência em publicar suas crônicas em um local de maior visibilidade nos jornais se dê em virtude de esse gênero literário figurar como a modalidade de intervenção escrita que se encontraria mais em sintonia com o ritmo da imprensa militante:

Longe do andamento figurativo e esquemático do romance humanitário aberto às teses anarquistas (heróis redentores, moralismo purificador, humanismo artificial do locus amoenus), impunha-se o registro da opressão cotidiana que transformava a palavra em instrumento de sobrevivência, experimentando a narrativa curta na percepção do flagrante[6].

Ao experimentar a narrativa curta, o cronista Neno Vasco consegue perceber o flagrante no momento da sua consecução. Desse modo, o assunto da sua escrita, pode surgir de forma ocasional, e ir preenchendo a pauta do jornal a partir das demandas que, segundo ele, sejam importantes para a militância:

[...] a denúncia de maus tratos nas fábricas, a comemoração de um evento revolucionário, o confronto com a repressão, o registro quase expressionista da miséria, a imagem corrosiva da cena burguesa, a caricatura impiedosa dos inimigos da causa, com ênfase para o burguês, o militar e o padre[7].

Para indagar corretamente sua crônica é impossível não deixar de relacioná-la com o jornal, do qual foi parte integrante enquanto sessão desde o seu nascedouro. Tomado como veículo de informação e discussão política pelo anarquista, é ele que fornece o registro dos acontecimentos cotidianos, que constituem na sua essência, a matéria prima a partir da qual a crônica é feita. N’ A Entrada do seu livro, essa íntima relação tecida entre a crônica e o jornal é retomada e realçada:

Nesta época de transição, de grande e desesperado embate de idéias e de métodos, são úteis todas as contribuições sinceras; e eu entendi que o ponto de vista socialista e libertário, aplicados aos acontecimentos de cada dia, necessita de ser ouvido fora dos débeis e minguados meios de publicidade que constituem o magro quinhão dos ideais servidos por gente pobre, e por isso mesmo privada das essenciais liberdades [...] Se, portanto não é uma obra metódica e coordenada, tem ao menos a desculpa de maior viveza e combatividade a vida de atual escaramuças e às necessidades urgentes da batalha de ideias[8].

Em virtude de ser feita no e para o jornal, uma vez que se destina inicial e precipuamente a ser lida nele, sua crônica mostrar-se-ia de uma ambivalência incontornável. Enquanto sessão de um instrumento como o jornal ela parece, a princípio, destinada a pura contingência, mas acaba travando com esta um arriscado duelo, do qual, de vez em quando, pode sair vitoriosa. Em razão da sua proximidade com o acontecimento miúdo do dia a dia, Neno se vê às voltas com o dilema de saber como superá-lo. Se não quiser cair no esquecimento junto com ele deve procurar uma saída. Via de regra, essa saída é encontrada pelo nosso biografado na literatura, mesmo que as margens de sua terra firme possam parecer demasiado imprecisas. É que rigorosamente falando a forma que a crônica assume sob a pena de Neno Vasco é bastante problemática, já que o seu caráter amplo e diversificado parece borrar as linhas que demarcam a fronteira com outros gêneros literários.
Em alguns momentos a sua crônica se aproxima da crônica histórica, primeira forma que a escrita cronística tomou para si. Incorporando a verve dos cronistas à moda antiga, na realidade os seus antepassados, ele se põe a narrar fatos já distantes no tempo e no espaço, rememorando a fundação da Primeira Associação Internacional dos Trabalhadores, bem como da participação dos anarquistas neste importante acontecimento[9]; ou do conto, pela ênfase na objetivação de um mundo recriado imaginariamente. Valendo-se de uma prosa de ficção, Neno propõe ao parlamento português um projeto de lei, em que os deputados sejam pagos apenas pelos seus eleitores[10]; também da lírica. Aí, é como se o cronista cedesse lugar ao poeta, que canta sobre a beleza das flores desabrochando durante a primavera lisboeta[11]; ainda das memórias, em que ele relata alguns fatos da sua biografia, tal como a chegada em sua terra natal após um interregno de quase dez anos de ausência[12]; de igual maneira, da sátira, onde Neno ridiculariza e ironiza o engajamento dos filhos de Eça de Queiroz, autor de várias obras anticlericais, nas campanhas realistas pela revogação da lei que previa o fim da separação entre Estado e Igreja em Portugal. Segundo ele, tal situação se aparentava com o fim do seu romance “Os Maias”, com um tom grotesco a mais, é claro[13]; e ainda  do ensaio filosófico; em que ele, face ao dogmatismo assumido pelos  republicanos, tece reflexões profundas sobre a tolerância que, em sua avaliação deveria ser a pedra de toque de todo e qualquer pensamento que aspira à liberdade. Estribado no ceticismo sorridente do “fino e amável rabelesiano” Anatole France, o anarquista situava a tolerância, entre a dúvida e a ação. Em um mundo onde a única verdade absoluta é a de que a verdade absoluta não existe, a dúvida seria a virtude mais condizente com condição do homem. Dessa dúvida, nasceria a ação que viria confirmar ou negar as hipóteses levantadas. A tolerância, por sua vez, seria o laço que uniria a virtude salutar da dúvida, com a suprema necessidade da ação, segundo as normas da convicção previamente formada, porém, gradualmente modificada pela experiência.[14].
Entre tantos outros gêneros literários de caráter limítrofe cuja fisionomia é difícil de precisar...
Esse trânsito entre um gênero e outro, mesmo que esteja escrevendo apenas uma crônica, testemunham as qualidades propriamente literárias do texto de Neno Vasco, que, ao longo da sua trajetória, se destacou não somente enquanto cronista, mas, ainda enquanto contista[15], dramaturgo[16], poeta[17], crítico literário[18] e ensaísta[19], demonstrando possuir uma concepção estética distinta da dos seus companheiros de militância, tal como ele a expressou quando do falecimento do escritor francês Octave Mirbeau.
Mesmo temendo correr o risco “de ofender a opinião dominante” entre seus amigos e, com isso, cair em “seu alto conceito”, Neno releva não ter “excessivo entusiasmo” pelas obras de Emile Zola, cuja preocupação excessiva com a tese acaba criando personagens “ou incompletos, ou excepcionais ou falsos”, como ocorre aliás, em sua avaliação, com os anarquistas representados em seus romances “Germinal, Paris, Roma e Trabalho[20].
O temor de Neno em causar algum tipo de desconforto entre os seus não era, de modo algum, fortuito. Segundo Antônio Arnoni Prado e Francisco Foot Hardman o escritor anarquista não é um escritor profissional. Nessa direção, sua obra seria “produto muito mais da experiência coletiva do que propriamente o resultado de uma elaboração estética. No caso do seu trabalho, o que importa não é o texto, e sim a decisão militante que repercute no ato de escrever”. Outrossim, a relação entre o escritor e o texto seria mediada pelo depoimento e a emoção, mais que pela intuição e a escritura, o que leva os autores à conclusão de que para o anarquista “o impulso criador vale mais do que a própria obra”[21].
A Zola , cuja perspectiva literária parecia agradar mais os anarquistas, Neno diz preferir decididamente Octave Mirbeau, em que “não se nota demasiadamente a preocupação da tese, escolho onde vão soçobrar tantas tentativas de arte revolucionária”. Segundo ele, Mirbeau parece apenas pintar um quadro da vida social, no qual arremessa para a tela manchelas de tinta, que tende sublinhar as suas taras “com traços caricaturais de extrema violência”. Em seu romance o “O Jardim dos Suplícios” é possível entrever essa vontade de “ferir os esteios da sociedade de rapina e de violência que dispõe o mundo”[22].
De acordo com o anarquista, no entanto, esses diferentes pensamentos e sensibilidades presentes na mentalidade dos dois artistas acabam gerando uma espécie de dicotomia entre arte e política, entendidas como modos exclusivos de atividade, obrigando-os a escolherem ou pela beleza artística ou pelo engajamento político. Em face desse dilema, Neno confessa: “permito-me preferir as duas coisas”[23]. Assim entendida, ele acreditava que a arte:

[...] mesmo sem pretensões a propaganda nem catequização, colabora com os militantes revolucionários, se é posta ao alcance do povo [...]. Comovendo-nos, aperfeiçoando-nos o sentimento ela torna-nos mais sensíveis e sociáveis criando novas necessidades superiores, delicados e finos sucedâneos dos prazeres brutais e animalescos, fomenta a revolta contra uma organização social em que essas necessidades não são amplamente satisfeitas[24].

Como se pode evidenciar, as fronteiras entre o artista e o militante não estavam rigidamente delimitadas. Pois, ao empunhar sua pena ele o faria tanto como militante quanto como artista, instâncias que se colaram e se colocaram de tal forma, que se torna hoje quase impossível realizar qualquer tipo de partilha. Constatação aparentemente banal, mas, que se reveste de grande importância na medida em que evidenciamos a originalidade com a qual Neno se apropriou dela, fato pouco sublinhado pela historiografia que se ocupou da produção literária criada e difundida pelo movimento anarquista e operário.
Por causa de seus méritos literários, os fatos aparentemente destituídos de importância quando entram em contato com a sua pena adquirem uma grandeza insuspeita. Nesse sentido, Neno se torna capaz de fazer uma reflexão sobre a condição humana na sociedade capitalista, analisando o egoísmo dos burgueses durante o morticínio ocorrido em Lena, na Rússia, em que os patrões preferiram fuzilar os trabalhadores ao invés de atenderem às suas demandas[25]; apontar a existência da luta de classes durante o naufrágio do Titanic, discorrendo sobre a prioridade dada aos membros das primeiras classes, enquanto as outras afundavam junto com o navio, durante o processo de salvamento dos seus sobreviventes[26] e problematizar o contraste entre ricos e pobres ao analisar o leilão das jóias da rainha Maria Pia Sabóia, questionando a incapacidade orgânica de o capital produzir tudo para todos[27]. Talvez isso ajude a entender porque parte de suas crônicas chegaram a ser publicadas em livro, é como se elas resistissem à erosão dos tempos e se revestissem de uma constante atualidade.

Thiago Lemos Silva é mestre em História pela UFU (Universidade Federal de Uberlândia) e membro do Coletivo Mundo Ácrata.

Notas:


[1]Embora o livro tivesse recebido o mesmo nome que a coluna de crônicas publicadas no jornal A Lanterna: Da Porta da Europa, o livro traz crônicas que foram originalmente publicadas em outros jornais com os quais Neno colaborava.
[2] VASCO, Neno. Da Porta da Europa. Lisboa: Biblioteca Libertas, 1913, p. 01.
[3]ARRIGUCI, David. Enigma e comentário. Ensaios sobre literatura e experiência. São Paulo: Companhia das Letras, 1987, p. 53.
[4]PEREIRA, Wellington. Crônica: a arte do útil e do fútil: ensaio sobre a crônica no jornalismo impresso. Salvador: Calandra, 2004, p. 33.
[5]LEAL, Claudia Baeta. Anarquismo em Prosa e Verso: Literatura e Propaganda Anarquista na Imprensa Libertária de São Paulo durante a Primeira República Dissertação (Mestrado em História), Unicamp, Campinas 1999,p. 110.
[6]PRADO, Arnoni; HARDMAN, Foot. Apresentação. PRADO, Arnoni; HARDMAN, Foot; LEAL, Claudia (Orgs). Contos Anarquistas: temas & textos da prosa libertária no Brasil. São Paulo: Martins Fontes, 2011, p. 16.
[7]PRADO, Arnoni; HARDMAN, Foot. Apresentação. IN:PRADO, Arnoni; HARDMAN, Foot; LEAL, Claudia (Orgs). Contos Anarquistas: temas & textos da prosa libertária no Brasil. São Paulo: Martins Fontes, 2011, p. 20.
[8] VASCO, Neno. Da Porta da Europa. Lisboa: Biblioteca Libertas, 1913, p. 01.
[9]VASCO, Neno. Da Porta da Europa. Lisboa: Biblioteca Libertas, 1913, p.207.
[10]VASCO, Neno. Da Porta da Europa. Lisboa: Biblioteca Libertas, 1913,p.54.
[11]VASCO, Neno. Da Porta da Europa. Lisboa: Biblioteca Libertas, 1913,p.22.
[12]VASCO, Neno. Da Porta da Europa. Lisboa: Biblioteca Libertas, 1913,p.17.
[13]VASCO, Neno. Da Porta da Europa. Lisboa: Biblioteca Libertas, 1913p.108.
[14]VASCO, Neno. Da Porta da Europa. Lisboa: Biblioteca Libertas, 1913p. 164.
[15]VASCO, Neno. Os Parasitas. In: PRADO, Arnoni; HARDMAN, Foot; LEAL, Claudia (Orgs). Contos Anarquistas: temas & textos da prosa libertária no Brasil. São Paulo: Martins Fontes, 2011.
[16]VASCO, Neno. O Pecado da Simonia. São Paulo: Centro Editor Juventude do Futuro, 1920; VASCO, Neno. Greve dos Inquilinos. Lisboa: Editora de A Batalha, 1923.
[17]VASCO, Neno. A marselhesa do Fogo. In: KHOURY, Yara Aun (Org.). Poesia Anarquista. In: Revista Brasileira de História, São Paulo, nº 15, 1988.
[18] Neno Vasco publicou críticas e resenhas literárias na sessão Pelas Publicações, do jornal A Lanterna de São Paulo, durante a segunda fase em que circulou (1909-1916).
[19] VASCO, Neno. Concepção anarquista do sindicalismo. Porto: Afrontamento, 1984.
[20] VASCO, Neno. Octave Mirbeau. A Sementeira, Lisboa. 12/05/1917.
[21] PRADO, Arnoni; HARDMAN, Foot; LEAL, Claudia (Orgs). Contos Anarquistas: temas & textos da prosa libertária no Brasil. São Paulo: Martins Fontes, 2011, p. 19-20.
[22] VASCO, Neno Octave Mirbeau. A Sementeira, Lisboa. 12/05/1917.
[23] VASCO, Neno. Octave Mirbeau. A Sementeira, Lisboa. 12/05/1917.
[24]VASCO, Neno. Octave Mirbeau. A Sementeira, Lisboa. 12/05/1917.
[25]Após a revolução de 05 de outubro de 1910, a Monarquia foi dissolvida e foi instalado um governo republicano provisório que se dissolveu em 19 de junho de 1911, abrindo A Assembléia Constituite.VASCO, Neno. Da Porta da Europa. Lisboa: Biblioteca Libertas, 1913,p.171.
[26] VASCO, Neno. Da Porta da Europa. Lisboa: Biblioteca Libertas, 1913.,p.176.
[27] VASCO, Neno. Da Porta da Europa. Lisboa: Biblioteca Libertas, 1913,p.239.

segunda-feira, 24 de setembro de 2012

Para além de culpados e inocentes: algumas reflexões sobre as relações entre aluno e professor sob a perspectiva do fracasso escolar





No decorrer das aulas de Contextos Educacionais (disciplina do curso de psicologia), pude vivenciar uma prática de observação que me colocou diante de algumas questões que me levaram a refletir sobre as possíveis causas do fracasso escolar.
A instituição escolar que visitei apresentava uma infra-estrutura de ótima qualidade. Uma vez que a mesma continha ambientes espaçosos, desde a área de alimentação até aquela em que os educandos praticam atividades físicas e esportivas. Além do mais, a referida escola, por ser de dois andares, ao invés de fazer uso de escadas, optou por rampas. Fato este considerado de suma importância, já que assim a presente instituição tem condições de incluir aqueles alunos que fazem uso de cadeira de rodas.
Partindo para a observação, propriamente dita, a aula que presenciei foi a de matemática. A mesma se iniciou a partir de uma correção de exercícios. Desse modo, o professor utilizou como principal recurso metodológico o quadro de giz e o livro didático (o qual grande parte dos alunos o possuía). No decorrer da aula eram sempre os mesmos alunos que respondiam as questões que eram propostas pelo professor. Quanto aos demais escolares, os mesmos pareciam dispersos e se inquietavam por qualquer motivo (a chamada feita pelo professor, a comunicação das notas semestrais, por exemplo).
Percebi também que o desinteresse por parte do professor em fazer uso de recursos didáticos que chamassem a atenção dos alunos e, ao mesmo tempo, fossem condizentes com o contexto em que esses escolares se encontram inseridos (apenas no final da aula, ao iniciar um novo conteúdo é que o professor apontou exemplos do cotidiano para explicar a teoria da probabilidade). Nessa mesma direção também é pertinente afirmar que os educandos também se mostravam, de uma forma geral, desinteressados, alheios ao conteúdo ensinado.
Mas, por que os escolares pareciam desinteressados? Seria, em virtude, da forma como o professor conduzia sua aula? Os seus recursos metodológicos? Da mesma forma, também devemos nos indagar, o porquê da falta de motivação por parte do professor. Seriam as altas e exaustivas jornadas de trabalho? Os parcos salários que o mesmo recebe? A insuficiente e precária valorização que os nossos governantes oferecem a ele? Pois, conforme a própria palavra de tal professor aquela turma era “a pior da escola”.
Na direção de tais preocupações, este trabalho tem como objetivo tecer algumas reflexões acerca das possíveis causas do fracasso escolar, tomando como ponto de partida o referencial teórico-conceitual da psicologia e em especial da psicologia escolar.
Como se sabe, a psicologia irá se sistematizar enquanto ciência no decorrer do século XIX. Século este marcado pela ascensão do capitalismo, de uma nova classe social (a burguesia), e também de ideologias liberais. Como diria um chavão para historiadores, cuja autoria geralmente é destinada a Lucien Febvre, “toda filosofia é filha de seu tempo”. Sendo assim, não foi nada fortuito a psicologia ter nascido justamente sob a égide do liberalismo. Mas, o que vem a ser tal ideologia?


O liberalismo, como visão de mundo, está fundamentado na idéia de que cada homem é um ser moral, possuidor de direitos inalienáveis, que lhe são dados pela sua própria condição de homem. Dotado de potencialidades, o homem deve ser livre para desenvolvê-las. Daí a decorrência da valorização do individualismo em detrimento do reconhecimento da totalidade social. (BOCK, 2000, p. 18).




A partir dessa visão de mundo e de homem o liberalismo tenta camuflar a realidade social, na medida em que constrói a idéia de um ser humano a priori (naturalizada) e que seria através de seus próprios esforços é que o mesmo conseguiria “progredir”, “evoluir” (aqui também é perceptível a influencia do positivismo).
Através dessa perspectiva que a psicologia e, de um modo especial, a psicologia escolar irão criar possíveis argumentos quanto ao fracasso escolar, durante o final do século XIX e até o final da década de 70 do século XX. Em outras palavras:


A história das explicações do chamado “fracasso escolar” das crianças das classes populares é feita de uma seqüência de idéias que, em linhas gerais, pode ser assim resumida: na virada do século, explicações de cunho racista e médico; a partir dos anos trinta, até meados dos anos setenta, as explicações de natureza biopsicológica – problemas físicos e sensoriais, intelectuais e neurológicos, emocionais e de ajustamento; dos primeiros anos da década de setenta até recentemente (mais ainda predominante nos meios escolares), a chamada teoria da carência cultural [...] (PATTO, 1992, p.108).


Seguindo ainda o raciocínio de Patto (1992), no mundo da “carreira aberta ao talento” venceriam os “mais aptos”, afirmava o darwinismo social: nesta linha argumentativa, diferenças individuais ou grupais de capacidade estariam por trás das diferenças sociais. Ora, é com este olhar que devemos compreender o fato de que a psicologia ao analisar o fracasso escolar se voltava para questões naturais e biológicas. Assim, o problema sempre se encontrava no indivíduo e não em um contexto social e histórico maior. Nesse sentido, a psicologia, juntamente com suas teorias, será um instrumento ideológico imprescindível para que o capitalismo criasse e elaborasse justificativas a fim de explicar as desigualdades sociais. Desse modo, “a única pergunta possível ao psicólogo refere-se a “porque os indivíduos não aprendem”, apontando para uma ausência de compromisso da Psicologia com a condição multideterminada das circunstâncias nas quais os indivíduos se humanizam” (MEIRA & TANAMACHI, 2003, p.15).
Somente na década de 80 do século XX, é que uma série de críticas vai se delinear em relação ao que foi dito anteriormente. Propondo, assim, novas compreensões para o fracasso escolar, das supostas classes economicamente “desfavorecidas” e, ao mesmo tempo, uma nova inserção do psicólogo no interior do espaço escolar.
Assim, uma concepção crítica da psicologia escolar rompe com o determinismo histórico ao enfatizar a idéia de que não existe um homem a priori, unilateral. Pelo contrário, esses homens e mulheres irão se constituir a partir de suas relações/interações sociais. Ou seja, o contexto histórico em que esse indivíduo se encontra inserido tem muito a dizer sobre o mesmo. Sendo assim, estamos nos reportando a uma visão sócio-histórica, onde se incorpora uma perspectiva de:


[...] homem histórico, isto é, um ser constituído no seu movimento: constituído ao longo do tempo, pelas relações sociais, pelas condições sociais e culturais engendradas pela humanidade. Um ser que tem características forjadas pelo tempo, pela sociedade e pelas relações (BOCK, 2000, p.24).



Na direção de tais preocupações, o fracasso escolar não pode ser entendido apenas do ponto de vista individual, isto é, culpabilizando tão somente o escolar ou tão somente o professor. Uma vez que, o fracasso escolar é fruto de um contexto social maior que perpassa por relações de uma ordem e de uma dimensão que vão além do aluno e do professor. Pois, o processo de ensino-aprendizagem deve de se tornar inteligível a partir de uma concepção teórica que:


[...] nos permita analisar o processo de escolarização e não os problemas de aprendizagem desloca o eixo da análise do indivíduo para a escola e o conjunto de relações institucionais, históricas, psicológicas, pedagógicas que se fazem presentes e constituem o dia-a-dia escolar. Ou seja, os aspectos psicológicos são parte do complexo universo da escola, encontrando-se imbricados nas múltiplas relações que se estabelecem no processo pedagógico e institucional nele presentes. Tal concepção rompe com as explicações tradicionais sobre o fracasso escolar, mudando o foco do olhar de aspectos apenas psicológicos para a análise do individuo e suas relações institucionais (PROENÇA, 2002, p. 192).




Através dessas novas abordagens, o processo de ensino-aprendizagem deve ser encarado levando-se em consideração uma análise dialética e multifatorial. Dialética, porque se estamos nos referindo ao ensino-aprendizagem, estamos nos aludindo a respeito de algo que ocorre de forma recíproca e mútua, onde tanto o educando como também o educador são responsáveis pelo fracasso ou pelo sucesso de tal pressuposto. Multifatorial, por sua vez, porque como já foi salientado o “problema” deve ser deslocado do indivíduo para um contexto maior, que englobe o político, o social, o econômico, o projeto político pedagógico da escola, dentre outros. É nesse sentido, que se torna possível falar em processo de escolarização, em detrimento de problemas de aprendizagem. Uma vez que, os supostos “problemas de aprendizagem” sempre foram usados como um instrumento ideológico pelas classes dominantes, a fim de mascarar e camuflar a realidade social brasileira. Logo:


[...] os problemas de aprendizagem incidem maciçamente sobre as crianças das classes populares, e é sobre elas que durante décadas recaem as explicações a respeito dos chamados problemas de aprendizagem: ou porque apresentam problemas psicológicos, biológicos ou, mais recentemente, culturais. Além disso, analisa o caráter ideológico e repleto de equívocos presentes nessas explicações, resultado de concepções preconceituosas a respeito do pobre e da pobreza no Brasil (PROENÇA, 2002, p.193).


Portanto, cabe ao profissional de psicologia, em especial ao da psicologia escolar, colocar em voga essas novas concepções e, ao mesmo tempo, atribuir um novo sentido para o processo educacional no interior do espaço escolar. Contribuindo, dessa forma, para a formação e constituição de uma realidade social mais justa, digna e humana, onde as desigualdades sociais não sejam ignoradas e/ou camufladas. Mas, sim compreendidas para que os educandos de hoje, futuros adultos (conscientes) de amanhã, possam vir a criar possíveis alternativas de saná-las.

Fernanda Caroline de Melo Rodrigues é graduada em História pelo Unipam e graduanda em Psicologia pela mesma instituição.

Referências:

ANTUNES, Mitisuko Aparecida Makino; MEIRA, Marisa Eugênia Melillo. Psicologia escolar: Práticas críticas. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2003.

BOCK, A. M. B. As influencias do Barão de Munchhausen na Psicologia da Educação. In: TANAMACHI, E.; PROENÇA, M.; ROCHA, M. Psicologia e educação: desafios teórico-práticos. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2000.p.11-31.

PATTO, M.H.S. A família pobre e a escola pública: anotações sobre um desencontro. Psicologia USP. São Paulo 3 (1/2), 1992. p.107-121.

SOUZA, M. P. R. Problemas de aprendizagem ou problemas de escolarização? Repensando o cotidiano escolar à luz da perspectiva histórico-crítica em psicologia. In: Trento, D. ; Kohl, M; Rego T.. (Org.). Psicologia, Educação e as Temáticas da Vida contemporânea. 1 a. ed. São Paulo: Editora Moderna, 2002. p.177-196.

Casida del Sueño Al Aire Libre*





Flor de jazmín y toro degollado.
Pavimento infinito. Mapa. Sala. Arpa. Alba.
La niña finge un toro de jazmines
y el toro es un sangriento crepúsculo que brama.

Si el cielo fuera un niño pequeñito,
los jazmines tendrían mitad de noche oscura,
y el toro circo azul sin lidiadores,
y un corazón al pie de una columna.


Pero el cielo es un elefante,
y el jazmín es un agua sin sangre
y la niña es un ramo nocturno
por el inmenso pavimento oscuro.



Entre el jazmín y el toro
o garfios de marfil o gente dormida.
En el jazmín un elefante y nubes
y en el toro el esqueleto de la niña.


Federico García Lorca (1898-1936), poeta, teatrólogo e escritor espanhol


Notas:


*Originalmente publicado em: LORCA, Federico García. Obra poética completa. São Paulo: Martins Fontes, 1999

domingo, 16 de setembro de 2012

Depoimento em comemoração aos 20 anos do Libera


Se a memória não me falha, comecei a receber o Libera entre os anos 2002 e 2003. Ainda há pouco, eu e um amigo havíamos decidido criar um informativo, o Eidos info-zine, para discutirmos temas que não eram discutidos e abordados no espaço editorial das folhas que existiam e circulavam em Patos de Minas. Com o objetivo de mostrar a outra face da capital do milho, nós começamos a usar este veículo alternativo de comunicação para denunciar a exploração econômica e a opressão política presentes na cidadela dos Porto, Nascimento e companhia ilimitada.
Embora o Eidos não tivesse uma identidade ideológica bem definida quando surgiu, aos poucos ele foi caminhando para o anarquismo. Evidentemente, que esse processo não se deu do dia para a noite, pois apesar de termos muita afinidade com a sua prática, tínhamos pouco, ou até mesmo nenhuma, com a sua teoria. Portanto, quando ouvi falar do Libera e me pus a procurar o endereço do CELIP na internet, se não me engano, eu objetivava justamente sanar essa carência teórica. Em pouco tempo, o companheiro Renato me enviou o primeiro pacote com um número significativo de Liberas, cuja periodicidade correspondia a quase todo o ano de 2002.
Desde então passei a receber com certa regularidade o Libera e, por isso, tive a oportunidade de me inteirar das principais conquistas alcançadas pelo grupo que o animava. Nesse sentido, foi sempre com grande satisfação que tomei conhecimento dos informes acerca da fundação da FARJ, das primeiras tentativas de trabalho e inserção social junto ao movimento dos sem-teto, da abertura do Centro de Cultura Social e da Biblioteca Social Fábio Luz, da criação do Cursinho Pré-Vestibular Comunitário, só para citar algumas que me vem à mente.
Fazendo uma análise retrospectiva, percebo que, quase 10 anos depois, eu não poderia ter tomado atitude mais acertada do que ter levado adiante esse contato com os companheiros do Rio, já que foi através dos artigos que eu li no Libera, que pude conhecer de forma mais acurada a história e atualidade do pensamento e movimento anarquista, o que foi essencial para a minha formação política.
Hoje o Libera está prestes a completar o seu vigésimo aniversário e, por isso, gostaria de parabenizar os companheiros da FARJ por terem mantido atados os fios entre o passado e o presente, permitindo a ligação entre as velhas e as novas gerações de militantes desta tradição revolucionária que luta pela construção de uma sociedade em que não existam mais explorados e exploradores e nem dominados e nem dominadores, enfim por uma sociedade anarquista.

Vida longa ao Libera e a FARJ!!!

Viva a revolução e o socialismo libertário!!!

Thiago Lemos Silva (Coletivo Mundo Ácrata)
Patos de Minas. Minas Gerais /08/02/2011.



sexta-feira, 14 de setembro de 2012

3ª Feira Anarquista de São Paulo




A Biblioteca Terra Livre e o Ativismo ABC estão iniciando as atividades para a realização da 3º Feira Anarquista de São Paulo. A data e o local já estão escolhidos, a feira ocorrerá no dia 04 de Novembro no auditório Paulinho Nogueira no Parque da Água Branca, das 10h as 20h, com entrada gratuita. Para este ano convidamos todos aqueles que estejam interessados em criar um cartaz para a divulgação da feira. Assim como no ano passado, a ideia é trazer no cartaz algum elemento que remeta ao anarquismo no Brasil, seja por sua história, luta ou personagens, contudo isto não é uma restrição a livre criação.

Pretendemos até o dia 15 de outubro receber e divulgar o(s) cartaz(es) selecionados! Contudo, apesar da seleção, todos os trabalhos produzidos terão lugar em uma exposição realizada durante a Feira. Então, se apresse!

Caso queira ter sua arte estampando o cartaz da 3 Feira Anarquista de São Paulo, envie seu trabalho para: feiraanarquista@gmail.com


Biblioteca Terra Livre

bibliotecaterralivre.noblogs.org e

Ativismo ABC

www.ativismoabc.org