LOPREATO, Christina da Silva Roquette. O espírito da
revolta: a greve geral anarquista de 1917. São Paulo: Annablume, 2000.
Desde o final do século XIX e o
início do século XX, o Brasil deu início a uma intensa política de imigração;
sendo que no período subseqüente à abolição do regime escravista (1888) esse
processo foi consideravelmente acelerado. Os imigrantes, compostos por homens e
mulheres vindos de diferentes países do continente europeu, tais como Alemanha,
Itália, Espanha e Portugal, chegaram no Brasil, em especial no estado de São
Paulo, seduzidos pela idéia de alcançar uma melhor situação de vida e de, como
eles mesmos diziam, “Fazer a América”.
Inicialmente, larga parcela destes
trabalhadores foi empregada no meio rural, substituindo os negros (até então
escravos) no trabalho agrícola em lavouras cafeeiras. O tratamento endereçado
ao trabalhador recém chegado no país carregava consigo, ainda, um acento
fortemente escravista, que parecia não reconhecer a liberdade contratual
existente nas relações sociais de conteúdo capitalista. Recebendo salários de
subsistência, alocados em péssimas moradias, realizando altas jornadas diárias
de trabalho,e, até sofrendo castigos físicos, esses trabalhadores começam a
perceber que seu sonho estava se transformando em um pesadelo. Insatisfeitos
com essa situação, esses trabalhadores começam a se revoltar e fugir das
fazendas.
Aqueles que possuíam condições
financeiras melhores voltaram para os seus países de origem, aqueles que não,
se dirigiram para outros locais dentro do próprio pais, sendo que um número
considerável destes se dirigiu para a capital paulista, onde iriam compor um jovem
movimento operário, que se formava junto à incipiente indústria brasileira.
Juntamente com a corrente imigratória que trouxe os trabalhadores europeus,
chegaram também os anarquistas estrangeiros, em sua maioria, procurando refúgio
e proteção das perseguições políticas em suas terras natais.
Nessa mudança do cenário rural para
o cenário urbano, a situação dos trabalhadores não foi alterada de forma
substancial; eles continuavam recebendo salários baixos, moravam em cortiços e
eram submetidos a uma grande jornada diária de trabalho. Diante da situação
existente na sociedade brasileira, o anarquismo se transformou em uma ideologia
forte nos meios operários. De acordo com Lopreato, a semente plantada por
trabalhadores e militantes estrangeiros germinou. “A planta exótica do
anarquismo floresceu em solo paulista e em outras cidades brasileiras, e foi se
revelando uma força política ativa, capaz de fazer adeptos e de mobilizar os
trabalhadores em movimentos de protesto contra as mazelas da sociedade
burguesa” (p.10).
As duas correntes anarquistas que
gozaram de maior expressividade junto ao primeiro movimento operário brasileiro
foram os anarquistas sindicalistas e os anarco-comunistas. Apesar das
divergências quanto aos alcances e limites da ação sindical, ambos possuíam o
mesmo método de luta: a ação direta, que segundo Lopreato “expressa a crença de
que o proletariado só se libertará quando confiar na influência de sua própria
ação, direta e autônoma, prescindindo de intermediários no conflito
capital/trabalho (...), que a classe trabalhadora nada deve esperar de forças
externas a ela mesma. Pois é ela que deve criar suas próprias condições de luta
e os seus meios de ação.(...). (p. 20)
Aderindo ao anarquismo sindicalista
ou ao anarco-comunismo, esses trabalhadores lançaram mão do boicote, da
sabotagem e, em especial, da greve, para resistir aos abusos do patronato e
Estado brasileiros. Nesse sentido, Lopreato analisa a atuação do movimento
anarquista junto ao movimento operário, dando ênfase ao projeto que estes
realizaram com os trabalhadores para retirá-los da apatia e incitá-los a ação
contra as condições de vida alvitantes impostas pelo nascente capitalismo no
Brasil. A partir dessa perspectiva, as greves de 1906, 1912, e, principalmente,
a de 1917, “marco histórico no processo da formação da classe operária”
(p.216), são vistas como o resultado do enraizamento e duração do princípio
político anarquista da ação direta.
Pois é justamente desta última de
que nos fala Christina Roquette Lopreato no seu livro “O Espírito da Revolta: a
greve geral anarquista de 1917”. Resultado de pesquisa e redação de doutorado
defendido em 1996 junto ao departamento de História da Unicamp, o livro se
propõe a “recontar a história da greve geral de 1917”, “procurando captar seus
desdobramentos e ressonâncias” (p.26).
Depois de um interregno de cinco
anos, os trabalhadores paulistas despertaram do seu estado de apatia e
resolveram agir. Segundo a autora, no mês de julho de 1917 uma greve geral
interrompeu e paralisou grande parte das atividades industriais, comerciais,
setor de serviços e o de transporte na antiga paulicéia. De 9 a 16 de julho,
cerca de cem mil trabalhadores cruzaram os braços e passaram a exigir dos
patrões o reconhecimento de direitos fundamentais tais como: liberdade de
reunião, reconhecimento sindical, jornada de oito horas diárias, melhores
salários, condições adequadas de trabalho, repouso semanal e o fim do trabalho
noturno para mulheres e crianças.
As diversas categorias de
trabalhadores em greve: tecelões, marceneiros, pedreiros, chapeleiros,
sapateiros, costureiras, lavadeiras, cozinheiras entre outros, desempenharam um
papel ativo no processo de discussão de suas reivindicações e na formulação de
suas propostas. Como resultado do referido, surgiu o Comitê de Defesa
Proletária (CPD) para unir os trabalhadores e coordenar suas ações. Entre os
seus membros mais aguerridos destacaram-se os anarquistas Edgard Leunroth e
Gigi Damiani.
Com o acirramento do conflito entre
capital e trabalho, o governo de São Paulo mobilizou cerca de sete mil soldados
para reprimir as manifestações grevistas. O embate físico entre soldados e
trabalhadores resultou em três mortes (isso, segundo os saldos oficiais) e
centenas de feridos.
Temerosos de que a ação dos
trabalhadores se radicalizasse ainda mais, Lopreato argumenta que os
industriais começaram acenar para a possibilidade de uma proposta
conciliatória, que só ganhou contornos mais definidos após o ingresso dos
jornalistas para mediar as negociações. Depois de se reunirem com os jornalistas
e discutir a proposta dos patrões e governantes, o CPD convocou os
trabalhadores para avaliar a proposta em questão. Atendendo ao apelo do CPD, um
número aproximado de dez mil operários compareceram aos comícios realizados nos
bairros Mooca, Braz e Ipiranga e deliberaram pelo fim da greve.
A suspensão da greve foi comemorada
por toda a imprensa paulistana, que noticiava em suas manchetes a vitória
material e moral dos trabalhadores sobre os patrões e os governantes. “A
significação moral foi, no entanto, maior que o ganho material”. “Comemorada ao
som da Internacional” a autora registra que ela “simbolizou o reconhecimento
das pretensões operárias” (p.66).
Na direção oposta das conclusões
que muitos historiadores chegaram sobre os alcances e limites das vitórias do
jovem proletariado brasileiro, a autora chama a atenção para a conquista da
questão social, obtida a partir da ação conjunta desses dois movimentos. De
acordo com Lopreato, “num país de forte tradição agrícola em que o escravismo
ainda permanecia no imaginário social, foram os operários a mostrar que a
transformação do Brasil num país moderno estava a exigir novas regras de
convivência social” ( p.218)
Para além do interesse estritamente
historiográfico, esta resenha do livro “O Espírito da Revolta” tem também um
interesse político. Pois, a greve geral de 1917 confirma uma das verdades mais
banais que existe na história, qual seja: os trabalhadores só podem obter as
conquistas que são capazes de tomar! Essa reflexão, a meu ver, é primordial
tanto aos trabalhadores de ontem quanto aos de hoje.
Thiago Lemos Silva é mestre em História pela UFU, professor
de educação básica da rede pública e particular e me,bro do Coletivo Mundo
Ácrata.
Nota