sexta-feira, 11 de fevereiro de 2011

Da Comemoração à Rememoração: a procura de um outro sentido para o 7 de setembro em Patos de Minas ( o caso do professor Fernando em questão)*


No dia 7 de setembro de 2008, a cidade de Patos de Minas realizou, como acontece todos os anos, um desfile militar para comemorar o dia da independência do Brasil. Como era previsto, os militares promoveram um longo e demorado desfile, onde apresentaram sua banda, suas armas, seus carros... Como era também previsto, os civis, compostos por uma miríade de pessoas que iam desde homens até mulheres, passando por crianças e idosos, compareceram, em peso. Ambos, militares e civis, imbuídos do mais profundo senso patriótico se encontraram e se reuniram na Avenida Getúlio Vargas, mais especificamente em frente ao Fórum Municipal, para comemorar durante toda manhã a independência do seu querido e estimado Brasil.
          Mas, eis que de repente... surge, ou melhor, irrompe do nada um homem com uma faixa nas mãos, gritando várias palavras, um tanto quanto soltas e desconexas, em um aparente sinal de protesto. Para assegurar a continuidade e o desfecho do desfile, mas, também para acalmar “os bons cidadãos patenses”, que estavam “chocados”, a polícia militar prendeu o manifestante.
No dia seguinte, uma emissora local prestou os devidos esclarecimentos a respeito dos fatos ocorridos. O nome do manifestante era Fernando, tinha por volta de 27 anos, e trabalhava como professor de sociologia e filosofia em uma escola pública em Patos de Minas.
Curiosos quanto aos motivos que levaram o jovem professor a tomar uma tal atitude, os repórteres da referida emissora local foram a sua procura e lhe perguntaram  qual era o fator que havia originado o seu protesto. O professor Fernando lhes respondeu que o motivo do seu protesto encontrava a sua “razão de ser” nas atuais condições de ensino que existem nas escolas públicas, onde os salários dos professores são baixos e os índices de aproveitamento dos alunos são irrisórios, resultados inequívocos, argumentou ele avançando e concluindo sua explanação, do modelo econômico dependente do país.
Para além do trabalho que deu a polícia e, claro do choque que causou nos “cidadãos de bem” de Patos de Minas, a ação imprevisível e, por isso mesmo incômoda, do professor Fernando colocou aos patenses, porém não só, uma questão de suma importância: ora, há algum sentido em se comemorar, hoje, a independência do Brasil?
           Com efeito, aqueles que se recordam da História sabem que a libertação colonial, onde a nobreza brasileira colocou um fim na dominação política do império português, não conseguiu, de forma alguma, elevar o Brasil a condição de país independente. Muito pelo contrário, o fim da colonização portuguesa apenas fundou o início da dependência econômica brasileira em relação à Inglaterra.De lá para cá, essa situação não se alterou de forma substancial, a ponto de se dizer que o Brasil é um país independente. Pois o Brasil continua em estado de extrema dependência em relação ao mercado econômico internacional, ontem em relação ao inglês, hoje em relação ao estadunidense.
Diante do imenso quadro que constitui o tema em questão e, que foi apenas gizado nesse pequeno artigo, fica um tanto quanto difícil responder de forma positiva se há algum sentido em comemorar, hoje, a independência do Brasil.Todavia, quando voltamos o olhar para a atitude tomada pelo professor Fernando e analisamos a natureza do seu protesto, nos deparamos com uma segunda questão, que viria, por assim dizer, como que para substituir e atualizar a primeira: por que o professor Fernando, então, escolheu justamente o 7 de setembro para realizar o seu protesto?
Me arriscaria a dizer, mesmo correndo o risco de incorrer em um grande equívoco, que os fatores que o motivaram a escolher a referida data para realização do seu protesto, está vinculada a procura ( de caráter profundamente político) de um diferente sentido para o 7 de setembro, que não pode ser encontrado na comemoração, mas, sim na rememoração.
Diferentemente da comemoração, que procura apenas recuperar e atualizar a lembrança a respeito do que aconteceu no passado, legitimando, dessa forma, os interesses dos dominantes de hoje, que são herdeiros dos dominantes de ontem, a rememoração possui um sentido radicalmente diferente. Ela objetiva, a despeito de todas as dificuldades, retirar aquilo que ficou recalcado e reprimido nos interstícios da memória, trazendo a tona o que não teve, ainda, direito a lembrança.
          Todavia, a rememoração não se reduz a uma atitude nostálgica e romântica, que procura apenas lembrar o que foi esquecido. Muito pelo contrário, ela procura, sobretudo, impelir as pessoas a agir sobre o seu presente. Pois, a fidelidade ao passado não sendo um fim em si busca a transformação do presente.
Portanto, a escolha do professor Fernando não foi nada fortuita. Ela serviu para mostrar aos patenses, e a todos os brasileiros, que ao largo de todos esses anos de independência, o Brasil é, no sentido mais amplo do termo, um país dependente.Isso nos leva, inequivocamente, a colocar em questão o nosso presente, experimentado e vivenciado até então como vencedor, e a olhar para trás, buscando no passado uma outra referência para o presente e para o futuro do país. Essa outra referência se ancora, evidentemente, nas múltiplas experiências de resistência dos mais diversos grupos sociais, que possuíam, conscientemente ou não, um projeto independente para o Brasil, mesmo aqueles que foram construídos fora dos marcos das idéias de nação e de nacionalismo.
Com base na atitude tomada pelo professor Fernando e, no que sempre disseram os anarquistas, finalizo esse artigo reforçando a idéia de que é na ação direta, individual ou coletiva, que os vários sujeitos envolvidos no processo de transformação social encontram a ferramenta metodológica para materializar os seus objetivos, que, podem ser difíceis, mas, nunca impossíveis de se alcançar.

Thiago Lemos Silva é mestrando em História na UFU ( Universidade Federal de Uberlândia); membro do Coletivo Mundo Ácrata e co-editor da revista eletrônica de cultura política libertária " Eidos info-zine".
Notas:

*Artigo originalmente publicado em Eidos info-zine, Patos de Minas, nº 13, Fevereiro, 2009.Disponívelem:http://wwweidosinfozine.blogspot.com/2009/02/editorial-caros-amigos-depois-de-um-ano_8244.html.