Introdução
Apresentação do estágio e do foco de intervenção
O
Estágio Básico IV – foi realizado na área de Psicologia Escolar – na
Escola Estadual Professora Elza Carneiro Franco (Polivalente), da cidade
de Patos de Minas. Assim, realizamos um primeiro encontro com a
professora que participa do processo de escolarização dos alunos do
Tempo Integral. Este projeto é destinado às crianças cujos pais
trabalham fora de casa o dia todo e diante disso deixam seus filhos na
escola em tempo integral (manhã e tarde). Pela manhã, as crianças ficam
todas juntas em uma mesma sala e desenvolvem diversas oficinas e são
auxiliadas em relação ao “Dever de Casa”. À tarde as crianças vão para
suas salas de origem.
A
professora ainda disse que os estudantes formavam uma turma tanto de
meninas, como também de meninos, entre seis a oito anos de idade, apenas
alguns já sabiam ler e escrever e suas principais necessidades, ainda
conforme ressaltou a professora, diziam respeito às seguintes questões:
“eles necessitam de limites e valores em suas vidas, além de aprender
hábitos relativos à higiene pessoal” (Sic).
Nesse
sentido, realizamos dois encontros com as respectivas crianças (um no
dia 02/03/2011 e outro no dia 16/03/2011), e ambos tiveram a duração de,
aproximadamente, uma hora e meia. Em tais encontros, realizamos
diversas atividades com os escolares e procuramos trabalhar com eles
procedimentos lúdicos que envolvessem, basicamente, a questão dos
limites e dos valores (respeito, companheirismo, educação, etc.) que
eles deveriam ter frente aos colegas, professores, pais, dentre outras
pessoas.
Teoria pertinente à área de intervenção
Os
profissionais que atuam ou que ainda irão atuar em Psicologia, de um
modo geral, ainda têm uma visão pré-concebida de que o consultório
clínico constitui o espaço privilegiado para as demandas da população.
Em se tratando de crianças com problemas de escolarização este paradigma
merece um pouco mais de reflexões e elucidações.
Sendo
assim, o psicólogo clínico diante de uma criança que é encaminhada por
“supostamente” apresentar problemas de escolarização, irá quase que
automaticamente, realizar um psicodiagnóstico que se pautem em
questionários, testes psicológicos, além de verificar a condição
econômica, social e cultural da família do aluno. Pois, esta segundo a
teoria da carência cultural, por ser desestruturada, é a responsável
pelo fracasso escolar de meninos e meninas. Diante disso o que fazer?
Escrever laudos e mais laudos psicologizando e patologizando os
estudantes, visto que a “origem” de seus problemas são meramente e tão
somente intrapsíquicos, emocionais, inconscientes e não parte de uma
estrutura mais ampla e plural?
Ao
discutir a respeito desse psicodiagnóstico, o objetivo não é o de
desqualificá-lo. Pelo contrario, sabe-se que testes psicológicos, por
exemplo, são importantes, mas não se pode ser reducionista e pensar que
apenas eles e a família da criança vão ser capazes de justificar o
fracasso escolar. Por isso, é bastante pertinente que os psicólogos
conheçam a escola da qual o seu paciente faz parte. Assim, entram em
cena, os professores, os colegas de sala de aula, a metodologia
utilizada, a forma como o processo de ensino-aprendizado é percebido
pelo projeto político pedagógico da escola, e acima de tudo, como este é
colocado em prática. Dito de outra forma:
O
desconhecimento dos psicólogos em relação à estrutura e ao
funcionamento das escolas públicas no Brasil, somado ao preconceito em
relação às famílias pobres, são muitas vezes justificados e camuflados
por teorias psicológicas que explicam tudo pelos mecanismos
intrapsíquicos da criança e pelas relações familiares que os determinam.
[1 ]
Perambular
pelos espaços escolares, a fim de conhecer um pouco da realidade dos
mesmos (infra-estrutura, atividades recreativas e lúdicas, por exemplo),
e estabelecer um diálogo com todos aqueles que, de uma forma ou de
outra, participam do processo de escolarização da criança é algo que
amplia a visão do profissional em psicologia acerca do plano de trabalho
que ele irá traçar para a dinâmica dos atendimentos.
Nesse
sentido, é preciso teorizar menos e partir da própria realidade dos
sujeitos. Uma vez que é necessário desconstruir a noção de sujeitos
abstratos que, conforme imaginamos, irão “perfeitamente” se encaixar em
pressupostos teóricos estabelecidos de antemão pelo psicólogo. Desse
modo, ao invés de adequá-los as teorias é pertinente, antes de qualquer
coisa, analisar as suas demandas, desejos, anseios, medos, expectativas,
ou seja, é essencial abrir um espaço para a escuta, para os aspectos
lúdicos. Já que é através do brincar que a criança expressa a sua
criatividade, espontaneidade e descobertas frente ao mundo que a cerca,
além de melhorar as suas teias de relações com o outro. Outra questão
que vale ser lembrada é a de que devemos enfatizar o que a criança tem
de positivo. Sendo assim, é relevante indagar, quais são suas
potencialidades, suas capacidades, ao invés de ficarmos enclausurados
tão somente no que ela carrega de negativo e que, conseqüentemente, a
desvia de tudo aquilo que elegemos como um padrão a ser seguido pelos
discentes.
Com o objetivo de compreender ainda mais o que foi exposto em linhas anteriores, eis mais algumas palavras:
Não
se importam se a criança brinca, é criativa, vivaz, alegre,
características reveladoras de saúde mental. Atêm-se apenas ao caráter
‘perturbador’ desses comportamentos e, ainda que involuntariamente,
trabalham para a submissão e a adaptação da criança ao seu meio social
[...] Ao tratar a criança que não atinge o tipo almejado socialmente, o
psicólogo está realizando um trabalho adaptativo e discriminatório,
predominando a idéia de que a diversidade precisa ser domesticada e
uniformizada.[2 ]
A
partir de tais constatações é relevante pensar que, é mais do que
esperado, que as crianças que estejam no início do processo de
escolarização, não vão ter o comportamento de ficarem quietas, caladas,
sentadas (como se fossem mini-robôs ou mini-adultos) no interior de uma
sala de aula. Desse modo, é preciso percorrer outros caminhos para que o
processo de ensino-aprendizagem venha à tona. Uma hipótese plausível a
ser levantada seria a de trabalhar com o brincar, com o lúdico, com
elementos menos mecanicistas e mais práticos e criativos.
Portanto,
refletir a respeito de tais questões talvez fosse o primeiro passo para
deixarmos de reproduzir práticas que são descoladas e deslocadas do
contexto do próprio desenvolvimento infantil e, assim, construirmos um
leque de possibilidades para que a inquietude, o brincar, as descobertas
da criança não sejam encaradas e tidas como patológicas.
Desenvolvimento
Descrição das atividades realizadas em supervisão:
As atividades realizadas em supervisão consistiram em, basicamente, discutir e refletir acerca das atividades que iríamos elaborar para os alunos e se estas eram condizentes com a realidade dos mesmos. Assim, após as duas intervenções que fizemos, relatamos as nossas angustias, frustrações, anseios, expectativas, dúvidas, percepções, mas acima de tudo, o nosso aprendizado em relação aos encontros com as crianças. Sendo assim, concluímos que é por meio da prática, isto é, das diferentes experiências e vivências que iremos nos tornar cada vez mais seguros e aptos para a concretização do nosso trabalho, enquanto futuros profissionais em psicologia.
Relato das intervenções contendo (por encontro)
Preparação (descrição das atividades):
No
primeiro encontro (02/03/2011) com as crianças, realizou-se uma
atividade de apresentação. Esta se embasou na explicação (de uma forma
que fosse adequada a linguagem das crianças e que fosse também
acompanhada de elementos lúdicos) do que viria a ser Psicologia e de
como seriam nossos encontros (horários, dias, etc.). Em seguida,
partimos para apresentação, propriamente dita, de nós (estagiárias) e
dos alunos. Essa atividade consistiu em entregar um papel para cada
criança e pedir que ela escrevesse o seu nome e em seguida colocar
dentro de um balão e enchê-lo. Após isso, ligamos o som e ficamos
dançando, jogando os balões para cima ao som de uma música. Assim que a
música parou cada um pegou um balão e ia estourando e dizendo o nome da
pessoa que estava escrito, em seguida era entregue para essa pessoa um
crachá com o nome dela (que foi confeccionado pelas estagiárias) e duas
balas.
Em
um segundo momento, pedimos para os alunos pensarem em algumas regras
(combinadas) que seriam válidas para todos os encontros, com o objetivo
de que o grupo obtivesse um bom desempenho nas atividades.
Em
um terceiro momento, foi feita a análise da demanda, através das
seguintes perguntas: Minha professora do Projeto Integral é...
O que mais gosto de estudar...
Como seria a escola dos meus sonhos...
O que você acha dos seus colegas...
O que você acha de ficar o dia todo na escola...
Em
um quarto momento, foi feita a seguinte atividade: “Votação dos temas a
serem trabalhados”: Essa atividade não foi realizada devido ao tempo,
mas com ela tínhamos a intenção de descobrir quais os temas que as
crianças gostariam que fossem trabalhados nos próximos encontros, pois
isso iria nos nortear para a realização dos mesmos.
Por
fim, realizou-se uma dinâmica de encerramento: Salada de Frutas. O
objetivo dessa dinâmica é o de aquecer o grupo, mas no caso dessa
intervenção ela foi realizada no final, pois as crianças já estavam
relativamente dispersas e decidimos que era necessário fazer algo que
não fosse tão teórico e aprofundado, tratamos então essa dinâmica como
uma brincadeira para finalizar o encontro. Essa dinâmica então consiste
em pedir para os participantes para formarem um círculo com as cadeiras e
dizer que cada um deve guardar o nome da fruta que será: banana,
laranja, maça e salada de frutas. Depois solicitar que um participante
vá até o centro do círculo e passe as orientações: Quem estiver no
centro poderá dizer: laranja (todas as laranjas mudam de lugar), banana
(todas as bananas mudam de lugar), maçã (todas as maças mudam de lugar)
ou salada de fruta (todos mudam de lugar). Ao dizer qualquer uma das
consígnias, o participante que estiver no centro deverá procurar um
lugar para se sentar. Sempre sobrará uma pessoa no centro.
Por sua vez, o segundo encontro, ocorreu no dia (16/03/2011) e foram realizadas as atividades descritas a seguir: Primeiramente entregamos os crachás e duas balinhas. Depois mostramos o cartaz de combinados e ressaltamos, mais uma vez, as “regras” a serem seguidas para um bom funcionamento do grupo como um todo.
Por sua vez, o segundo encontro, ocorreu no dia (16/03/2011) e foram realizadas as atividades descritas a seguir: Primeiramente entregamos os crachás e duas balinhas. Depois mostramos o cartaz de combinados e ressaltamos, mais uma vez, as “regras” a serem seguidas para um bom funcionamento do grupo como um todo.
Em
um terceiro momento, através de fantoches, narramos (de uma forma
também bastante lúdica) a história “O amor e o tempo” e realizamos uma
breve reflexão acerca da mesma. Abaixo segue a história:
Era uma vez uma ilha onde moravam os seguintes sentimentos: A ALEGRIA, A TRISTEZA, A VAIDADE, A SABEDORIA, A RIQUEZA E O AMOR.
Um
dia avisaram para os moradores desta ilha que ela seria inundada.
Apavorado, O AMOR cuidou para que todos os sentimentos se salvassem:
- Fujam todos! A ilha será inundada. O AMOR avisou.
Todos
correram e pegaram seu barquinho para ir a um morro bem alto. Só O AMOR
não se apressou, pois queria ficar um pouco mais em sua ilha. Quando já
estava quase se afogando, correu para pedir ajuda. Estava passando A
RIQUEZA e ele suplicou:
- RIQUEZA, leve-me com você!
- Não posso. Meu barco está cheio de ouro e prata e você não vai caber.
Passou então a VAIDADE, e o AMOR pediu:
- Oh, VAIDADE, leve-me com você!...
- Não posso, respondeu a VAIDADE. Você vai sujar o meu barco.
Logo atrás vinha a TRISTEZA.
- TRISTEZA, posso ir com você?
- Ah, AMOR... Estou tão triste que prefiro ir sozinha.
Passou
a ALEGRIA, mas ela estava tão alegre, que nem ouviu o AMOR chamá-la. Já
desesperado, achando que ficaria só, o AMOR, então, começou a chorar.
Nesse momento, passou um barquinho comandado por um velhinho. E ele,
então falou:
- Sobe, AMOR, que eu te levo e te salvo.
O
AMOR ficou radiante de felicidade, que até se esqueceu de perguntar o
nome do velhinho. Chegando no morro alto, onde já estavam todos os
sentimentos a salvo, o AMOR perguntou à SABEDORIA:
- SABEDORIA, quem era o velhinho que me trouxe aqui?
A SABEDORIA respondeu:
- OTEMPO.
- O TEMPO?... Mas porque só o tempo se dispôs a me trazer até aqui?
- Porque só o tempo é capaz de ajudar a entender um grande AMOR.
Em
um quarto momento, realizamos a atividade: “Vamos levar a escola”: Essa
atividade teve como objetivo fazer uma ligação com a atividade
anterior, na qual as crianças confeccionaram um barco de papel e o
enfeitaram e escreveram quais os sentimentos que elas têm em relação à
escola e o que gostariam de levar a ela.
Já
em um quinto momento, foi feita a “Dinâmica o presente”: Com essa
dinâmica, encerramos nossas atividades e para isso levamos um
“presente”, o qual não era de ninguém, mas sim de todo o grupo. Fomos
falando algumas características e repassando o presente entre várias
crianças. Essa dinâmica teve o objetivo de trabalhar a atenção, a
observação, o desapego, a sinceridade, a emoção de dar e repartir um bem
recebido, demonstrando o intuito de construir um mundo mais solidário e
mais humano.
Por
fim, nos despedimos das crianças e ressaltamos que este seria o nosso
último encontro, mas que em outras ocasiões outros estudantes do curso
de psicologia estariam com eles.
-Relatos das experiências:
Realizar
intervenções em grupo de crianças (doze, aproximadamente), entre seis e
oito anos de idade consistiu em uma experiência indescritível.
Indescritível porque possibilitou com que percebêssemos que o nosso
trabalho não é composto tão somente de “alegrias”, mas também de
frustrações, anseios, expectativas. Nesse sentido, nem sempre o que
planejávamos tinha possibilidades de ocorrer na prática.
Logo,
notamos que pela própria questão de estarmos lidando com crianças, o
elemento lúdico é o que deveria prevalecer nos encontros. Pois, pouco
adianta ficar teorizando quando o objeto de intervenção se refere ao
universo infantil, isto é, as atividades teriam que ser condizentes com a
realidade dos escolares escolhidos para o referido estágio.
Outra
questão que vale a pena de ser salientada diz respeito ao fato de que
devemos ter em mente, qual é o nosso papel no interior do grupo. De
maneira que, durante o desmembrar dos encontros e também das
supervisões, se tornou evidente que não estávamos ali para cumprir a
função de professores. Pois, enquanto futuros psicólogos o nosso
trabalho deverá se pautar em outra direção, assim, ao invés tentar
aplicar a todo o momento, disciplina, ordens, fazer com que os alunos
ficassem quietos... Direcionamos o nosso olhar para compreender o
comportamento das crianças, a manifestação e expressão de seus
sentimentos e emoções, dirigimos a nossa atenção para o que elas têm de
positivo (ao invés de perceber tão somente o que elas têm de negativo), e
a partir daí tentar promover momentos de reflexões com as
possibilidades que os escolares nos ofereceram.
Portanto,
acredito ainda que da mesma forma que aprendemos com os escolares, de
um modo ou de outro, eles também aprenderam conosco. E é esse
aprendizado que torna as experiências tão ricas e diversificadas.
Considerações Finais
A
realização do Estágio na Área Escolar foi de suma importância para o
alargamento dos meus conhecimentos, tanto do ponto de vista teórico, mas
acima de tudo do ponto de vista prático. Assim, através da leitura dos
pressupostos teóricos pude refletir e pensar em uma série de dinâmicas e
intervenções que poderiam vir a ser aplicadas, a partir da demanda
apresentada pelo grupo de crianças em que direcionamos o nosso trabalho.
Por
outro lado, aprendi que é por meio da prática, das experiências
cotidianas, dos desafios vivenciados a cada novo encontro, das alegrias e
descobertas compartilhadas com as outras estagiárias e com a professora
orientadora, que a teoria adquire consistência, isto é, significado.
Portanto,
percebi que de nada adianta ficarmos presos a manuais e livros acerca
do conteúdo trabalhado, se não entrarmos em contato, de fato, com
aqueles sujeitos (concretos) que compõe o nosso laborar (seja em qual
área e/ou abordagem escolhida). Pois, é através da pluralidade que
encontramos nos escolares que o nosso crescimento, enquanto seres
humanos e também enquanto profissionais, se torna possível.
Fernanda Caroline de Melo Rodrigues é graduada em História pelo Unipam ( Centro Universitário de Patos de Minas) e graduanda em Psicologia pela mesma instituição.
Notas
[1] FRELLER,
C. C. Crianças portadoras de queixa escolar: reflexões sobre o
atendimento psicológico. In: Machado, A.M.M.; Souza, M.P.R.. (Org.). Psicologia Escolar: em busca de novos rumos. 4ª ed. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2004, p.68.
[2 ] FRELLER, C. C. Psicologia Escolar: Em Busca de Novos Rumos. In: Grupos de crianças com queixa escolar: um estudo de caso, p.75.
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