quarta-feira, 10 de novembro de 2010

Ser jovem e ser pobre em Patos de Minas: um duplo delito (breve reflexão sobre a portaria 003/2009)*


No dia 11 de setembro de 2009, o Conselho Nacional de Justiça havia determinado a suspensão da portaria 003/2009, de autoria do juiz Joamar Gomes Vieira Nunes, que pertence a Vara de Infância e Juventude da Comarca de Patos de Minas. Todavia, o CNJ voltou atrás e decidiu, no dia 10 de novembro, manter a portaria em vigência. Como já havia sido mencionado nas edições anteriores do Eidos, a portaria 003/2009 institui o toque de recolher para os jovens menores de 16 anos, que, estão proibidos de circular entre as 23h e as 6h sem a companhia dos pais ou responsáveis.
Face às críticas sofridas, o juiz Joamar argumentou, paradoxalmente, que a finalidade da portaria em questão é a preservação da liberdade dos jovens bons, que vinha sendo colocada em xeque por algumas atitudes tomadas por jovens maus.
Todavia, podemos (e devemos) questionar: o que juiz Joamar entende por jovem bom e jovem mau?
Entre ditos e não ditos, ele próprio deixa escapar uma pista que pode fornecer os elementos necessários para responder essa pergunta. Por ora, acompanhemos a mesma e vejamos no que ela consiste.
De acordo com o referido jurista, o jovem bom é aquele que não rouba, não trafica ou consome drogas, não comete assassinato, enfim não comentem atos que infringem as leis. Ao passo que o jovem mau é aquele que se caracteriza, justamente, pela realização de tais práticas.Com base nisso, podemos perceber, mesmo que de forma velada, que o juiz Joamar estabelece correspondência entre a condição social dos jovens e os seus respectivos adjetivos morais. Dito de outra forma: os jovens considerados bons são os jovens ricos e os jovens considerados maus são os jovens pobres.
Diante de tal constatação nos deparamos com uma segunda pergunta, que viria, por assim dizer, substituir e atualizar a primeira: será que o juiz Joamar não se questiona por que os jovens pobres se tornaram jovens maus?
A esse propósito, o jurista supracitado não nos deu, seja de forma explícita, seja de forma implícita, nenhuma pista. Todavia, se levarmos em consideração o avanço da desigualdade social em Patos de Minas nas últimas décadas encontraremos ai um dado não negligenciável para a explicação do fenômeno vinculado a chamada “delinqüência juvenil” na cidade.
Com efeito, se analisarmos a pobreza resultante da exclusão que existe na sociedade patense, iremos nos deparar com uma triste, porém realista, constatação: existe hoje uma espécie de encurtamento de horizontes por parte destes jovens. Para estes, a única alternativa face a experiência da miséria parece ser o roubo, o tráfico ou consumo de drogas e o assassínio, ou seja, tudo que possa fazer para conseguir satisfazer suas necessidades imediatas de consumo.
Espantoso, contudo, que os diversos especialistas que participaram do processo de idealização e implementação da referida portaria não tenham atentado para tais questões e tenham ficado presos, somente, a querela de saber se essa era inconstitucional ou não.Talvez não seja tão espantoso quanto sugere, haja vista a mentalidade extremante acrítica de uma parcela expressiva da sociedade patense, que parece ter capacidade apenas para ver as conseqüências, mas, parece incapaz de ver as causas.
Por esse motivo, esconjuram o jovem infrator, porém, não se questionam porque ele existe!

Thiago Lemos Silva é mestrando em História na UFU ( Universidade Federal de Uberlândia); membro do Coletivo Mundo Ácrata e co-editor da revista eletrônica de cultura política libertária " Eidos info-zine".

Nota:
*Artigo originalmente publicado em Eidos info-zine, Patos de Minas, nº 22, Fev,2010.

Disponível em: http://wwweidosinfozine.blogspot.com/2010_02_01_archive.html

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