sexta-feira, 19 de novembro de 2010

Da liberdade outorgada à liberdade conquistada*


Em uma das minhas inúmeras idas e vindas pelos diferentes espaços do Centro Universitário de Patos de Minas, me deparei certa vez, com um casal de universitários, que, estavam a conversar, de forma despreocupada e descontraída. Assim, não pude deixar de ouvir tal diálogo. Na medida, em que o mesmo era carregado por um tom, extremamente, convincente e porque não dizer apaixonante. Comentavam sobre poesias? Do primeiro momento em que se viram, e, a flecha do amor, então, os acertou? Ou ainda, quem sabe, conjecturavam planos para o futuro?
Ah, nada disso parecia fazer parte da narrativa dos dois. Pois, os mesmos estavam a falar sobre como a nossa querida Patos de Minas, ironicamente ou não, conhecida também como “Patos-Paris” é avançada. Uma vez, que, a mesma apresenta ruas envolvidas por rampas, espaços públicos e privados (como o mais novo shopping) providos de elevadores, telefones públicos adequados para que qualquer um possa vir a desfrutar da hospitaleira Patos, inclusive, e porque não principalmente, pelos cadeirantes.
Entretanto, o que mais me chamou a atenção na conversa do referido casal foi a forma como eles faziam menção ao Unipam. Segundo eles, o Unipam era uma instituição de ensino superior inigualável. Inigualável, porque essa instituição abrigava “perfeitos” espaços para que as pessoas que utilizam cadeira de rodas transitem por ali. São tantas coisas... Rampas, corredores amplos, salas e laboratórios adaptados...
Mas, até que ponto essas idéias correspondem à realidade?
Ora, basta dirigirmos o nosso olhar para as ruas, estabelecimentos públicos e comerciais, meios de transportes (sistema viário), ou ainda para o próprio Centro Universitário de Patos de Minas, que iremos perceber que essa a afirmação não é totalmente verossímil. Em todos esses lugares as pessoas que fazem uso de cadeira de rodas, se deparam com vários obstáculos que dificultam ou até mesmo impossibilitam a sua livre circulação. Pois, estes lugares são permeados por escadas, buracos, entulhos e tudo o mais que se possa imaginar.
Ah, mas, talvez alguém possa torcer o bico e argumentar que o Unipam possui sim, uma infra-estrutura, que, é capaz de incorporar as inúmeras pluralidades em seu interior. Infra-estrutura esta composta por rampas, locais espaçosos e de fácil circulação e blá, blá, blá... E há até quem diga que, o UNIPAM é uma instituição moderna e progressista, onde o homogêneo e o plural convivem de forma harmônica.
Diante de tudo isso, será que os nossos cem bilhões de neurônios, que, ajudam a formar e processar a nossa memória estão se esvaecendo, ou, então, apenas fingimos que não lembramos de como era o espaço do UNIPAM há apenas alguns anos atrás? Espaço este, que, era constituído por escadas e mais escadas, e, que, foi somente depois que determinados universitários que utilizam cadeira de rodas reivindicaram seus direitos é que o UNIPAM começou a tomar algumas providências. Mesmo assim, com um certo tom de desconfiança, uma vez, que, o próprio reitor chegou até mesmo a mostrar para esses universitários a “planta” da instituição e dizer que ao seu ver nada precisaria ser feito. Pois, ele não via nenhum empecilho e dificuldade para que tais indivíduos circulassem por ali.
O fato é que se não fosse essas pessoas a dar o primeiro passo em prol de condições mais dignas e humanas, o UNIPAM ainda continuaria o mesmo de alguns anos atrás. Portanto, mesmo que, inconscientemente, os sujeitos que reivindicaram, lutaram e articularam entre si, em prol de seus direitos, acabaram por colocar em prática os princípios da ação direta, termo este tão caro aos anarquistas. Como já dizia Neno Vasco “se alguma instituição concede liberdades... que os interessados não reclamam... não será aplicada.... De nada valem liberdades escritas e permitidas no papel; valem as que os homens conquistam, usam, sem pedir licença ou permissão”.

Fernanda Caroline de Melo Rodrigues é graduada em História pelo Unipam (Centro Universitário de Patos de Minas); graduanda em Psicologia pela mesma instituição e co-editora da revista de cultura política libertária Eidos info-zine.
Notas:

* Artigo originalmente publicado em Eidos info-zine, Patos de Minas, nº 15, Abril, 2009.

Nenhum comentário:

Postar um comentário